Fora do mundo jurídico, o parágrafo acima pode parecer escrito em outro idioma. O texto retrata um problema que preocupa o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15): a linguagem habitual do mundo jurídico, adotada por juízes e servidores do Poder Judiciário, se distancia da usada no dia a dia e isso causa dificuldade no entendimento de sentenças, acórdãos e outros documentos.
A solução encontrada pelo segundo maior tribunal trabalhista do país para a questão foi uma parceria com a Unicamp para aplicar, dentro e fora da Corte, técnicas de linguagem simples. Mas não se engane: a mudança vai além de trocar palavras difíceis por sinônimos e envolve uma metodologia própria.
"A linguagem simples não passa somente pelo vocabulário, mas também por frases em ordem direta, frases curtas e elementos visuais do documento, porque hoje também a gente tem uma necessidade de melhorar visualmente os documentos públicos para que eles realmente despertem mais atenção", detalha Thiago Pinheiro Rosa, instrutor da Escola de Educação Corporativa da Unicamp (Educorp) e responsável pelo projeto.
Um termo aditivo do Acordo de Cooperação Técnica entre a Unicamp e o TRT-15 foi publicado no Diário Oficial da União neste mês.
Na prática
Essa metodologia, chamada de “três por três”, combina a redação oficial, princípios da norma-padrão da língua portuguesa e técnicas de escrita inclusiva. O cuidado inclui evitar termos machistas e capacitistas enraizados no idioma, por exemplo.
"Por muito tempo nunca houve a preocupação de você promover uma inclusão por meio do vocabulário. Há um problema, há uma falta de um vocabulário que demonstre a empatia, que é a palavra do momento hoje na comunicação que a gente tem visto. Então a gente tem tomado muito cuidado", diz Rosa.
➡️ O instrutor explica que a linguagem simples inclui algumas etapas:
• O primeiro passo é desenhar a estrutura do texto, ou seja, a ordem em que as informações aparecem.
• Para isso, é importante trabalhar questões como objetividade, clareza, concisão e coesão.
• Depois, é preciso entender quem é o público-alvo daquela comunicação e quais são as características dele.
• Com base nesses caminhos, é possível adequar o conteúdo e, então, começar a redigir a informação.
• Finalmente, é hora de aplicar as orientações de linguagem simples, desde as frases em ordem direta à estrutura visual do documento.
A parceria entre o TRT-15 e a Unicamp começou com cursos para juízes e servidores. A proposta é que a linguagem simples passe a ser incorporada às decisões e comunicações do tribunal, tornando documentos como sentenças e pareceres mais fáceis de entender.
"Tem um conjunto de juízes que são mais tradicionais, então, veem um pouco essa coisa de linguagem como uma simplificação. Depois, com a formação, eles percebem que não é bem assim. É, na verdade, aprimorar a comunicação", afirmou Edison Cardoso Lins, coordenador executivo da Educorp.
A iniciativa não é isolada. A Unicamp já aplicou a metodologia em outros órgãos, como o Tribunal de Contas da União (TCU), e também passou a adotar internamente a mesma proposta em diferentes áreas, inclusive na saúde.
A demanda, segundo Lins, vem crescendo. “Já tem uma fila positiva de várias câmaras municipais, de vários outros órgãos públicos, Secretaria de Educação, tentando conhecer e incorporar o tema da linguagem simples”.
O próximo passo é incluir os novos modelos diretamente no sistema usado por magistrados para emitir decisões. A expectativa é que, até o fim do próximo semestre, cada unidade do TRT-15 tenha acesso a documentos padronizados em linguagem simples.
Pacto nacional
Segundo o TRT-15, a iniciativa faz parte do Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para incentivar cortes de todo o país a adotar comunicações mais compreensíveis.
O pacto prevê, além da simplificação de documentos, medidas de acessibilidade, como tradução em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e audiodescrição. Recentemente, o TRT-15 passou a oferecer tradução simultânea em Libras e legendas em audiências telepresenciais.
De acordo com o tribunal, a parceria com a Unicamp é parte de uma série de iniciativas que envolve oficinas colaborativas, apoio de laboratórios de inovação e o engajamento de magistrados e servidores na construção de textos mais acessíveis.
Por Gabriella Ramos, g1 Campinas e Região
Fonte: g1