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CE: Tia vira mãe de sobrinho após Justiça reconhecer maternidade socioafetiva

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Via @diariodonordeste | As relações entre pais e filhos não podem ser resumidas a laços sanguíneos. Quando falta o vínculo biológico mas existe respeito, afeto e cuidado, elas podem ser legalmente reconhecidas, formalizando o que se cultivou no dia a dia. Foi o que ocorreu com a aposentada Cleide Rosendo Teixeira, 71, e o analista de Tecnologia da Informação e terapeuta integrativo, Leandro Teixeira Beserra, 34.

Por uma decisão do juiz José Ricardo Costa D’Almeida, da 6ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza, do dia 28 de agosto de 2025, eles conquistaram o reconhecimento da filiação socioafetiva entre a tia materna e o sobrinho. O processo foi consensual entre as partes, incluindo a mãe biológica, e a sentença foi proferida apenas oito dias após a petição inicial ter sido protocolada, no dia 20 de agosto.

Nela, o magistrado reconheceu a maternidade socioafetiva e determinou a mudança do registro de nascimento de Leandro, incluindo o nome de Cleide como mãe. Mas os novos documentos não vão excluir o nome de Cleire Teixeira Beserra, mãe biológica de Leandro.

“Amo as duas da mesma forma, chamo as duas de mãe. Tanto que sempre há momentos em que eu ligo para para casa e uma delas atende, mas eu preciso falar com a outra, e eu digo: ‘mãe, chama aí a mãe’”, conta Leandro, rindo, em entrevista ao Diário do Nordeste. “Existe sempre essa essa leveza, essa harmonia. É um amor de mãe multiplicado.”

Essa relação começou desde o nascimento de Leandro, em 1991, quando ele apresentou alguns problemas de saúde e precisou receber alguns tratamentos caros. Como a mãe biológica estava fragilizada após o parto cesariano e não tinha recursos financeiros suficientes, foi a irmã dela quem assumiu esse suporte.

“Ela me deu toda estrutura, comprava os leites que eu precisava tomar para suprir a necessidade do leite materno, já que minha mãe biológica não podia estar nessa frente. Com esse laço consolidado, fui educado e recebi muito amor das duas. Nunca houve nenhum tipo de abandono”, explica Leandro.

Para além da construção diária dessa história, mãe e filho, que são espiritualistas, contam que a ligação entre eles é ainda mais antiga. “No decorrer da nossa trajetória, por muitas vezes, já nos foi dito por médiuns e entidades incorporadas, que temos um histórico de vínculo de mãe e filho por pelo menos sete vidas. Nesta atual, como ela, mãe solteira, não teve oportunidade de gerar um filho, eu tive que vir através de um outro portal, que é a minha mãe biológica”, conta.

Para Cleide, a decisão pelo reconhecimento da filiação socioafetiva “foi um presente de Deus”. “A gente é confidente, a gente é unha e carne um com o outro. (...) Eu digo que ele é minha luz, mas que eu sou a luz dele também. Existe aí um amor materno que fala e se expressa da maneira mais divina possível”, relatou.

Poucos dias após o nascimento dele, a estrutura familiar ganhou forma: desde então ele mora com Cleide e mantém convívio diário com os pais biológicos e com as duas irmãs. A decisão judicial vem para consolidar o que sempre existiu no dia a dia da família, mas também vai servir para “dissolver” o não reconhecimento por parte de alguns familiares, que criticam o arranjo entre eles.

O processo tramitou em segredo de justiça, para preservar a privacidade. Leandro conta que, na sentença, o juiz demonstrou “profunda humanidade” ao reconhecer a importância dos vínculos afetivos. “[Ele] valorizou, sobretudo, o amor, a dedicação e o cuidado que moldam as relações familiares verdadeiras, independentemente dos laços biológicos”, acrescentou.

Após reconhecimento da maternidade socioafetiva, Leandro terá o nome das duas mães na certidão de nascimento e na identidade /Foto: Acervo Pessoal

Entenda a filiação socioafetiva

A maternidade se estabelece de diferentes formas, como a sanguínea ou a adoção. Em casos como o de Cleide e Leandro, o fator preponderante para que a relação de mãe e filho seja reconhecida juridicamente é o afeto existente entre eles. É a chamada filiação socioafetiva, quando ela surge a partir do dever de cuidado diário.

“Ela se configura por meio do dia a dia e do cuidado, principalmente, que faz com que aquela pessoa seja reconhecida pela que cuida como filho e que o filho reconheça a pessoa cuidadora como mãe. É um reconhecimento recíproco”, explica a advogada responsável pelo caso, Ana Zélia Cavalcante, professora universitária e especialista em Direito das Famílias, Sucessões e casos complexos.

As situações envolvidas na filiação afetiva são as mais diversas. Em março de 2024, o Diário do Nordeste divulgou uma matéria relatando o reconhecimento do vínculo socioafetivo entre o pequeno Ângelo, então com 11 anos, e o padrasto, José Adilton. Com isso, o menino passou a contar com o nome de dois pais na certidão de nascimento.

No mesmo ano, em fevereiro, também tinha sido publicada uma matéria sobre o reconhecimento da maternidade socioafetiva de uma mãe que compõe uma união poliamorosa envolvendo três pessoas. Após um ano e meio de processo, o trisal conquistou o direito de registrar o pequeno Bernardo com as duas mães e o pai.

Nesse último exemplo, também foi a advogada Ana Zélia Cavalcante que defendeu a causa. Ela destaca que o ponto central desse caso não foi o fato de envolver um trisal, mas o direito da criança e da mãe socioafetiva de essa relação ser reconhecida judicialmente.

“É uma evolução do direito, colocando o afeto como sendo o ponto crucial nas relações familiares”, destaca Ana Zélia Cavalcante.

Outro caso decidido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi a possibilidade de reconhecimento de filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade, nos casos em que essa relação supera a “mera afetividade avoenga”.

O colegiado também definiu essa possibilidade após a morte do pai ou da mãe socioafetivos, “quando verificada a posse do estado de filho e o conhecimento público e contínuo dessa condição”.

Ao reconhecer a filiação socioafetiva, a decisão judicial formalizou o que sempre existiu no dia a dia da família de Leandro /Foto: Acervo Pessoal

Outras repercussões do reconhecimento

A advogada Ana Zélia Cavalcante destaca que essa conquista traz consigo direitos e deveres. A primeira repercussão diz respeito ao registro público, com alteração na certidão de nascimento e na identidade.

Além disso, vêm uma série de responsabilidades para ambos os lados. Assim como os pais, biológicos e socioafetivos, devem cuidar dos filhos, estes também têm responsabilidade de amparar os pais na velhice, caso seja necessário.

Outro aspecto é o direito à herança, que também se aplica nesse vínculo familiar. “Uma pessoa que passa a ter duas mães passa a ser presumidamente herdeiro delas, caso elas venham a falecer primeiro. Mas, se a pessoa vier a falecer primeiro do que uma delas, ele também passa a deixar herança, caso não tenha tido filho ou casamento”, explica.

Esses e outros detalhes desses processos precisam ser esclarecidos pelos profissionais responsáveis por esse tipo de caso. “São situações que devem ser trabalhadas com muita seriedade, porque devem ser consideradas todas as repercussões que o Direito traz em relação a esse reconhecimento”, afirma.

Por Gabriela Custódio
Fonte: diariodonordeste.verdesmares.com.br

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