Assim que o avião pousou, os dois procuraram a Polícia Federal e manifestaram formalmente a intenção de solicitar refúgio. Segundo o advogado que representa o casal, Willian Fernandes, apesar da comunicação imediata, a PF não registrou o pedido verbal e passou a tratá-los como passageiros em trânsito, com possibilidade de repatriação. Os passaportes ficaram retidos com a companhia aérea Qatar Airways, responsável pelo trecho até Guarulhos.
Diante do risco de devolução imediata, o advogado entrou com um pedido de habeas corpus na Justiça Federal. A juíza plantonista Letícia Mendes Martins do Rego Barros concedeu parcialmente a liminar para impedir qualquer medida de retirada compulsória do país, determinando que os dois permaneçam sob custódia da Polícia Federal até uma nova decisão.
No pedido de habeas corpus, o advogado sustenta que a PF descumpriu normas nacionais e internacionais ao não registrar o pedido verbal de refúgio, obrigação prevista no artigo 4º da Lei 9.474/1997 e na Resolução Conare nº 18/2014. Afirma ainda que a tentativa de repatriação configura violação direta ao princípio da não devolução.
A magistrada destacou que a eventual repatriação violaria o princípio do non-refoulement, previsto na Convenção de Genebra de 1951 e incorporado à legislação brasileira pela Lei nº 9.474/1997. O princípio proíbe que solicitantes de refúgio sejam devolvidos para locais onde sua vida ou integridade física possam estar em risco — como é o caso da Faixa de Gaza, região de conflito.
O casal apresentou à Justiça documentos oficiais que comprovam identidade, origem e histórico pessoal. Entre eles, certidões de nascimento, carteiras de identidade palestinas, certidão de casamento reconhecida pela Embaixada da Palestina, diploma universitário de Yahya e comprovante de experiência profissional de Tala como farmacêutica no Hospital Al-Sahaba.
Os dois registraram ainda no sistema oficial do Ministério da Justiça pedidos de reconhecimento da condição de refugiados, mas não conseguiram concluir presencialmente o procedimento porque permanecem retidos sob custódia da PF — justamente a autoridade que deveria receber a solicitação.
Documentos apresentados ao processo também mostram que o casal já possui rede de apoio organizada para acolhimento no Brasil. A ONG Refúgio Brasil declarou que os dois têm vínculos afetivos e comunitários no país e que há um plano de moradia preparado para recebê-los.
A entidade afirma ainda que não há nenhum indício de tráfico de pessoas ou contrabando, afastando suspeitas levantadas durante o atendimento no aeroporto. O Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) também emitiu declaração confirmando a condição humanitária do casal e oferecendo apoio para integração social.
"São indivíduos oriundos de uma região de guerra, submetidos a condições extremas e que buscam estabelecer-se no Brasil — país onde existe uma comunidade palestina numerosa, estruturada e historicamente acolhedora", declarou a CDHCI.
Situação indefinida
Após a liminar, a Polícia Federal foi notificada e deve prestar informações em 24 horas. A defesa pede que a entrada do casal seja autorizada em caráter condicional, permitindo que aguardem o processamento do pedido de refúgio em liberdade e sob acolhimento da rede comunitária brasileira.
A liminar concedida pelo plantão judicial na quinta-feira (21) proibiu a repatriação, mas ainda não houve decisão definitiva.
Como a entrada ao Brasil não foi permitida, eles ficaram em uma situação indefinida e tiveram que ficar hospedados no único hotel que existe dentro da área restrita do aeroporto, o TRYP by Wyndham São Paulo Airport. A hospedagem de Tala está sendo custeada pela Qatar Airways, conforme regras internacionais aplicáveis a passageiros inadmitidos. Mas a do marido, Yahya, tem que ser paga por ele próprio, o que a defesa considera um efeito indevido da ausência de definição administrativa e judicial.
“A liminar impediu a repatriação, mas o casal está em um limbo jurídico. O direito de solicitar refúgio é garantido pela lei e pelos tratados internacionais, e não pode ser negado com base em entendimentos administrativos que contrariam normas superiores. É uma situação humanitária urgente, que exige resposta ráida", afirmou o advogado Willian Fernandes.
Por enquanto, Yahya e Tala seguem na área restrita do aeroporto, sem passaportes, aguardando a análise definitiva da Justiça. A decisão final poderá definir se eles poderão deixar o local e iniciar o processo de integração no país enquanto seus pedidos de refúgio são avaliados.
A defesa vai protocolar uma nova petição, pedindo que a Justiça determine a entrada condicional no país ou a imediata liberação do casal para aguardar o processamento do refúgio na rede de acolhida que já os aguarda.
O g1 solicitou posicionamento à Polícia Federal, ao Ministério da Justiça e à Qatar Airways e aguarda resposta.
Por Bruna Pellegrini, TV Globo e g1 SP — São Paulo
Fonte: g1
