"O racismo existe e não é mais velado"

http://goo.gl/wBuhqH | Ao mesmo tempo que marca uma caminhada, o Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro) é uma data comemorada por conquistas e, mais que isso, um dia de reflexão pelo trajeto a percorrer. "É preciso percebermos de onde viemos, onde estamos e para onde queremos ir, pois o racismo existe e não é mais velado", afirma a educadora Rosângela Cecília da Silva Alves, de 50 anos, integrante do Movimento de Mulheres Negras de Sorocaba (Momunes) e uma das fundadoras do Movimento Negro de Sorocaba e do projeto Quilombinho. Por outro lado, a partir do conhecimento, o fator identidade tem sido assumido com orgulho, de forma a aumentar a autoestima dos negros. "Isso é muito bom porque esta estima é que nos impulsiona a tomarmos mais atitude perante o preconceito e o racismo", revela.

A partir de dados sobre a população afrobrasileira, em termos históricos e atuais, conforme pesquisas de 2010, a advogada Tamara Caroline Braga, membro da Comissão da Igualdade Racial da OAB - Subseção de Sorocaba, confirma um cenário nacional de discriminação ainda presente. As pesquisas baseadas em números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam um total de 191 milhões de habitantes, sendo 97 milhões ou 51% da população negra. Deste índice 25% ou 47 milhões são mulheres negras. O Brasil é o maior país do mundo em população afrodescendente fora do continente africano; e o segundo no mundo em população negra depois da Nigéria.

Ela lembra que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão negra e o que mais importou africanos para serem escravizados. "Nossa legislação pátria traz dispositivos que criminalizam práticas discriminatórias como o racismo e a injúria racial", destaca ela. Logo, acrescenta, se faz necessária a distinção entre os crimes de racismo e de injúria racial. A advogada explica que o racismo tem previsão na Constituição Federal, e o crime se caracteriza como ódio ou aversão a todo um grupo, que, por ser de ordem coletiva, ataca e ofende além da vítima, seu respectivo grupo, e o ideal de dignidade da pessoa humana comum a todos, incorrendo em pena de reclusão nos termos da lei.

Os crimes de racismo são regulamentados por meio da Lei 7.716/1989, que este ano, no dia 5 de janeiro, completou 25 anos de existência. "Este crime é imprescritível e inafiançável. Já a injúria racial é crime com previsão no Código Penal. Se caracteriza por injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, com a utilização de elementos referentes à raça, etnia, religião ou origem", esclarece. Para o referido crime, aplica-se pena de reclusão de um a três anos e multa, acrescenta. Tamara revela que a discriminação racial pode ser identificada no cotidiano, sendo classificada como formas de racismo: o individual, o institucional e o cultural. O racismo individual é aquele praticado por um indivíduo ou grupo de pessoas.

Quanto ao institucional é o que resulta na privação ou redução de acesso a determinadas políticas como serviços, informação e recursos. O racismo cultural pode ser identificado em literaturas, mídia impressa, televisiva, e quaisquer meios culturais que possibilitem a ostensão por meio de práticas racistas. A advogada afirma que a desigualdade de raça e gênero é reflexo direto da discriminação. Embora não existam dados específicos de quem possui os maiores índices de segregação, ela cita indicadores de vulnerabilidade social "ocasionada fortemente pelo fator discriminação que, bem se sabe, tem cunho histórico e está arraigada em nosso dia a dia, ainda que de maneira disfarçada, quiçá, por meio de práticas culturais discriminatórias aceitas."

Direito de reparação 

Indicadores do Ipea de 2012 revelam a desigualdade na área da educação: entre brancos brasileiros a média de anos de estudo é superior a de negros brasileiros, e no que tange ao gênero, a diferença entre os anos de estudo entre homens negros e brancos é maior que entre mulheres negras e brancas. Já no mercado de trabalho há dados de 2009 que relatam taxa de desemprego nas seguintes proporções: homem branco (5,3%), homem negro (6,3%), mulher branca (9,2%), mulher negra (12,5%). A advogada Tamara Braga destaca a importância da divulgação da criminalização de práticas discriminatórias combinadas com a disseminação e fortalecimento da questão de identidade.

"Não somente sob o aspecto histórico, em termos de valorização da cultura negra, mas sob a ótica presente de como devem ser enfrentados todos os vetores de desigualdade." São fatores imprescindíveis para que a vítima de quaisquer tipo de discriminação racial busque seu direito pela reparação, e denuncie a prática do crime, observa. Assim, a vítima deve, em primeiro lugar, procurar a Delegacia de Polícia Civil para registrar o boletim de ocorrência (BO). Buscar ainda a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil, em específico a Comissão da Igualdade Racial. Outros órgãos: Ministério Público Estadual e instituições sem fins lucrativos ligadas às questões de raça que ofereçam orientação.

Em razão da Lei Estadual 14.187 de 2010 há ainda a punição de práticas discriminatórias pela via administrativa, em que as denúncias podem ser realizadas diretamente no site da Ouvidoria (http://bit.ly/1B1EQXe). Trata-se de um canal de comunicação entre o cidadão e a administração pública para receber manifestações como sugestões, reclamações, denúncias e elogios. A vítima também pode recorrer à Coordenadoria da Igualdade Racial da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) e ao Disque Racismo (156 opção 7) para denúncias de racismo ou injúria racial, e desta forma obter orientações jurídicas e psicológicas.

Contexto social 

A Comissão da Igualdade Racial da OAB - Subseção de Sorocaba foi criada há dois anos, informa a advogada Tamara Braga. E mesmo com alguns casos que ganharam repercussão na cidade, a comissão da OAB não recebeu número significativo de denúncias. "O que não necessariamente implica na ausência de casos em Sorocaba, estando a questão intrinsecamente ligada à gradativa divulgação dos órgãos de denúncia, encorajamento da sociedade para que se efetivem as denúncias, dando-se prosseguimento aos casos de discriminação, e não tratando o tema como algo que não deve ou não mereça ser combatido", observa a advogada.

Tamara Braga cita pelo menos dois casos que repercutiram na cidade, mas somente um deles tramita em juízo, pois, segundo ela, as vítimas acabam por desistir da denúncia, ou então de dar prosseguimento ao processo. O assunto é da maior importância, observa a integrante da Comissão da Igualdade Racial. "Devendo ser assim tratada a discriminação racial, não somente pelas vítimas, mas por todos os envolvidos no contexto social. A Comissão da Igualdade Racial está aberta para receber denúncias, orientações jurídicas, bem como o estudo e a realização de eventos voltados ao tema", finaliza.

Por Telma Silvério
Fonte: cruzeirodosul.inf.br
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