Quando os rumos penais saem dos trilhos: o caso da modelo Caroline Bittencourt

bit.ly/2Q1Ms6Z | Na noite do dia (06/05), o Delegado que preside o caso da morte da modelo Caroline Bittencourt se pronunciou publicamente afirmando que irá indicar o marido, Jorge Sestini, por homicídio culposo.

Segundo o Delegado, houve negligência (uma das modalidades de culpa) do marido, pois “mesmo advertido, lançou-se ao mar”.

Conforme as notícias veiculadas pela grande mídia, o Delegado teria decidido pelo indiciamento após ouvir o dono da marinha de onde a embarcação partiu, que disse em seu depoimento que orientou na sexta-feira (26) que Sestini ficasse atento às mudanças climáticas, porque estava previsto um vento a noroeste entre sábado e domingo, alerta que foi refeito no próprio domingo (dia do acidente).

O delegado teria ainda considerado o fato de que o marido não providenciou “ao menos, que a vítima utilizasse colete salva vidas, como lhe competia”.

Muitas questões podem ser postas a partir desse pronunciamento do Delegado.

Com objetivo de incitar reflexões muito mais que trazer respostas, vamos a algumas delas:

  • Qualquer pessoa pode se tornar réu em um processo penal, por isso a necessidade de zelar pela garantia dos direitos do acusado.

Diariamente há absurdos processuais cometidos com pessoas menos favorecidas, como negros e pobres. O que ocorre é que a esses casos são relegados à invisibilidade, não têm a atenção da mídia. Independente da figura do acusado, é imprescindível a garantia de seus direitos no desenrolar investigativo e, eventualmente, processual. Sem falar que essa observância dos direitos do acusado é condição para o amadurecimento de um Estado verdadeiramente democrático e, nessa medida, interessa à coletividade.

  • Infelizmente, nos parece que a figura da vítima, quando famosa, é determinante para o desenrolar investigativo e processual;

Nesses casos, quando há uma pessoa pública/famosa como suposta vítima, parece haver um endurecimento da investigação e um estimulante para criminalizar, como uma forma de recompensa aos familiares e à própria sociedade, que nesses casos se interessa pelo desfecho.

Isso é uma barbárie. Deslocar a atenção para a figura da vítima e permitir que isso influencie o que seria um natural desenrolar dos expedientes criminais (acaso se tratasse de uma pessoa anônima) é desvirtuar a persecução penal.

As figuras públicas envolvidas (Delegados, Juízes, Promotores) têm que fazer o exercício imprescindível de dissociar seu olhar sobre o caso totalmente da figura da vítima.

  • É necessário se afastar de subjetividades ou de assertivas rasas.

Subjetividades: o Delegado publicamente expôs que o marido, mesmo advertido do mau tempo, decidiu lançar-se ao mar – aspecto que teria contribuído para a decisão pelo indiciamento.

Isso é uma conjectura ou houve depoimento de testemunha que presenciou o marido insistir em navegar, a contragosto da esposa?

Ainda, não temos acesso ao inquérito, mas o que se divulgou é que o dono da marina disse ao empresário, dois dias antes, que “ficasse atento às mudanças climáticas”, alerta refeito por WhatsApp no dia do acidente.

Isso é mesmo suficiente a embasar um indiciamento por um crime dessa natureza?

Ainda, o uso do colete salva-vidas pelos passageiros é responsabilidade exclusiva do piloto da embarcação (no caso do marido) ou é também do passageiro quando maior e capaz?

O pronunciamento do Delegado sobre sua decisão pelo indiciamento nos remete a muitas reflexões, mas mais que qualquer coisa nos traz a sensação de que os rumos penais saem dos trilhos quando, provavelmente, a condução do caso está contaminada por vaidades, compensações, repercussão midiática e outras obscuridades presentes na vida em sociedade.

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Por Gisele Pompilio Moreno
Fonte: Canal Ciências Criminais

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