Ex-alunas dizem ter procurado cursinho em SP para denunciar juiz

Via @portalg1 | Ex-alunas do Damásio Educacional usaram as redes sociais para dizer que, pelo menos desde 2016, já haviam procurado o cursinho e denunciado o professor e juiz Marcos Scalercio por comportamento inadequado. Entre as queixas relatadas estavam investidas do docente para sair com as estudantes e envios de mensagens inapropriadas com conotação sexual para as redes sociais delas. O g1 conversou com algumas das mulheres nesta terça-feira (16).

As ex-alunas passaram a postar as informações acima depois que a reportagem divulgou, na segunda (15), que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério Público Federal (MPF) apuram ao menos três denúncias de assédio sexual contra o docente e magistrado. Outras sete também se queixaram de Scalercio. Todas as dez denúncias foram levadas à ONG Me Too Brasil.

Ex-aluna do Damásio fez postagem na página do Damásio para dizer que já havia denunciado professor Marcos Scalercio por comportamento inadequado, mas curso não tomou medidas — Foto: Reprodução/Divulgação/Arquivo pessoal/Redes sociais

Também após a reportagem, o Me Too recebeu até esta terça (16) mais 30 relatos de vítimas que acusam o juiz substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e professor do Damásio de assédio sexual. Desse total, dez deles seguiram para o Projeto Justiceiras, que formalizou as denúncias e irá encaminhá-las para a Ouvidoria das mulheres do Conselho Nacional do Ministério Público. O órgão levará as queixas para conhecimento do CNJ e do MPF.

O Me Too e o Justiceiras prestam assistência jurídica gratuita à vítimas de violência sexual. Juntando todas as denúncias recebidas contra o magistrado, o número chegava a 40 até esta terça.

O Damásio sempre negou que soubesse de casos de assédio sexual envolvendo o professor e alunas de aulas de direito nos seus cursos preparatórios para concurso público e para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O cursinho não respondeu ao g1 se havia queixas sobre comportamento inadequado dele com estudantes que tenham sido encaminhados pessoalmente a funcionários.

"A instituição ressalta que não recebeu manifestação de estudantes em seus canais oficiais", informou o Damásio por meio de nota divulgada nesta terça por sua assessoria de imprensa. "Os Canais Oficiais são: Ouvidoria e Fale Conosco. Ambos estão disponíveis no portal da Instituição."

Ainda na segunda, a direção do Damásio divulgou nota comunicando o afastamento de Scalercio após a repercussão da reportagem. "Mesmo não tendo identificado manifestação de estudantes sobre este caso até o momento, a direção resolveu afastar o docente de suas atividades, até que o caso seja esclarecido e concluído", informa trecho do comunicado.

Nesta terça, o magistrado pediu férias do Tribunal Regional do Trabalho.

'Santinha ou safadinha'

À esquerda: conversa entre professor e aluna em 2018, segundo ex-estudante do Damásio. À direita, juiz Marcos Scalercio dá aulas no cursinho — Foto: Reprodução/Redes sociais

"O professor Marcos Scalercio estava com conduta inadequada nas redes sociais, no caso, misturando a parte profissional com a pessoal, e isso estava me constrangendo nas aulas, em vê-lo aos sábados", disse nesta terça (16) ao g1 uma então aluna do Damásio sobre a denúncia que ela afirmou ter levado ao conhecimento de um funcionário da secretaria do cursinho em 2018. "Ele pediu desculpas e disse que isso seria averiguado." Mas a resposta nunca veio.

"Depois deixei o curso e fui para outro", disse a ex-aluna, que contou não ter tido consciência à época de que havia sido vítima de assédio sexual. "Hoje sei que fui assediada por ele."

Segundo a mulher, que se atualmente trabalha como modelo, Scalercio passou a procurá-la depois que ela postou uma foto do professor na rede social dela e o marcou, elogiando suas aulas.

"Ele me procurou no Instagram, passou o celular dele, e ali mesmo já começou dizendo coisas como se eu curtia beijos no corpo todo, perguntava se eu era santinha ou safadinha. Dizia que gostava de preliminares", falou a ex-aluna. "Me sentia constrangida e invadida até pelo linguajar."

Nesta segunda, ela demonstrou sua insatisfação com o Damásio ao postar numa das páginas oficiais do curso um texto criticando a atitude da instituição por não ter tomado providências.

"Precisam de provas? Já que vocês disseram ter havido conhecimento por parte de vocês? Tenho tudo aqui. E eu mesma denunciei ele para a coordenação em 2018. Tive que sair do curso por isso", escreveu no perfil do Instagram do Damásio.

2016

Mulher que disse ter estudado no Damásio faz postagem para dizer que já havia denunciado professor Marcos Scalercio em 2016, mas que não teve nenhum retorno do cursinho — Foto: Reprodução/Redes sociais

Nesta terça, a página do Damásio no Instagram tinha alguns comentários de mulheres que disseram ter estudado no cursinho e que levaram ao conhecimento da instituição denúncias da maneira como Scalercio abordava as alunas, que, segundo elas, se sentiam incomodadas.

"Fiz uma denúncia para o coordenador do curso preparatório da OAB segunda fase em 2016! Reclamando dele! O que aconteceu? NADA. Papo escroto, vc vai tirar dúvida e ele começa a falar sobre sua vida pessoal e intimidades", escreveu uma mulher que disse ter estudado no Damásio à época.

Desestimulada a denunciar

O Damásio Educacional é um tradicional cursinho preparatório para concursos públicos em São Paulo — Foto: Kleber Tomaz/g1

Outra ex-aluna do cursinho contou nesta terça ao g1 que foi desestimulada a denunciar Scalercio no cursinho quando procurou um funcionário para fazer isso em meados de 2016, após contar ter sido assediada pelo professor.

"Cheguei na secretaria e queria falar sobre o comportamento inadequado dele, que hoje sei que era assédio sexual, mas fui desestimulada a prestar queixa contra o professor porque ouvi do funcionário: 'É Marquinhos? Ele é brincalhão'."

A "brincadeira" citada incluía declarações que atualmente as alunas consideram ofensivas e machistas atualmente. "Ele dizia no meio da aula: 'Os meninos só me adicionem [nas redes sociais] e as menininhas bonitinhas me mandem direct [mensagens privadas]”, disse uma aluna sobre o que o juiz falava durante as aulas do Damásio.

O caso

O caso que envolve o juiz e professor Marcos Scalercio veio à tona após divulgação pelo g1 de que o Conselho Nacional de Justiça investiga ao menos três denúncias de assédio sexual contra ele na esfera administrativa e de que o Ministério Público Federal apura as acusações no âmbito criminal. Os dois procedimentos estão em sigilo.

A Corregedoria do CNJ deverá analisar em 30 de agosto se abre um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) contra o juiz ou se arquiva o caso. Em São Paulo, a Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho já arquivou as acusações contra Scalercio alegando insuficiência de provas.

3 mulheres levaram denúncia à Justiça

As denúncias de assédio contra o juiz começaram em 2014, mas só passaram a ser discutidas entre as vítimas a partir de 2020. Primeiro pela internet, quando vítimas que não se conheciam começaram a citar o nome de Scalercio em pelo menos dois grupos fechados de discussão voltados a concursos públicos para mulheres. Elas o definiam como assediador sexual.

Duas das três mulheres que decidiram levar à Justiça as denúncias de assédio sexual contra o magistrado relataram ao g1 e à TV Globo detalhes da abordagem.

"Ele ficava falando de me levar livros até a minha faculdade e um dia simplesmente apareceu. Entrei no carro dele e nós fomos numa cafeteria próxima ao local, quando ele tentou me agarrar", afirmou uma delas, que foi aluna dele no cursinho Damásio em 2014.

Uma outra vítima, funcionária do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), contou em entrevista à TV Globo que foi agarrada e beijada à força por Scalercio dentro do gabinete dele no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa na capital, em 2018.

"Ele se levantou, veio perto da minha cadeira, se apoiou na minha cadeira e começou a tentar me beijar, me assustei e fui para trás com a cadeira. Mas ele forçava todo o corpo pesado nos meus braços, até que teve uma hora que ele fez menos força, e eu consegui me desvincular. Ele tentava me beijar e falava que 'sabia que eu queria' e, como não tinha câmeras no gabinete, eu podia ficar tranquila", afirmou a vítima.

"Hoje eu confesso que chorei, mas é um choro de alívio por saber que outras pessoas estão denunciando e que eu tenho ciência que só essa voz coletiva é que dará resultado. Eu fico aliviada e uma coisa que eu tenho é consciência tranquila por ter participado dessa denúncia - apesar de ter sido muito custosa - só assim eu consigo dormir com a consciência tranquila", afirmou.

"Com novas denúncias de assédio, a expectativa é que a Corregedoria do CNJ faça novas diligências para melhor instruir o procedimento, antes de novamente pautá-lo para decisão do plenário do CNJ, com elementos mais robustos para uma abertura de processo disciplinar", disse ao g1 o advogado José Lúcio Munhoz, que defende uma das vítimas.

Como denunciar

Vítimas de violência sexual podem denunciar seus agressores procurando a polícia, seja ligando para o número 190, da Polícia Militar (PM), para o Ligue 180, da Central de Atendimento à Mulher, ou entrando em contato com a Delegacia de Defesa da Mulher Online.

As denúncias também podem ser feitas diretamente no site do Me Too Brasil, pelo WhatsApp (11) 99636-1212, na página do Projeto Justiceiras ou pelas redes sociais, usando a hashtag #metoobrasil.

Pela Ouvidoria das Mulheres, as queixas podem ser feitas pelo telefone (61) 3366-9229, que também funciona no WhatsApp.

Fonte: g1

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