Os magistrados também construíram um entendimento para autorizar a União a regularizar o pagamento dos débitos acumulados (estoque) por meio de crédito extraordinário (mediante aval do Congresso Nacional) − atendendo, assim, a pedido feito pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O dispositivo poderá ser utilizado para quitação dos precatórios expedidos nos exercícios de 2022, 2023, 2024, 2025 e 2026, quando excedentes do subteto fixado para os precatórios, deduzidas as dotações orçamentárias já previstas na proposta orçamentária para o exercício de 2024.
O relator da matéria, ministro Luiz Fux, também explicitou que os requisitos constitucionais da imprevisibilidade e urgência, indispensáveis para autorizarem o uso do instrumento do crédito extraordinário, estão atendidos no presente caso envolvendo precatórios.
Os ministros Edson Fachin, Carmem Lúcia, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli acompanharam o voto do relator. Na prática, tal posição vai permitir que os R$ 95 bilhões previstos pelo governo para esta rubrica não sejam considerados para fins de cumprimento da meta de resultado primário até 2026.
O julgamento está, na prática, suspenso em razão de um pedido de vista (ou seja, mais tempo para analisar o caso) feito pelo ministro André Mendonça. Mas Toffoli e Moraes decidiram antecipar seus votos mesmo assim − o que permitiu a construção de maioria e lançou pressão para que o magistrado apresente rapidamente uma posição antes do recesso da Corte.
Além de Mendonça, faltam votar os ministros Gilmar Mendes (decano da Corte), Nunes Marques e Cristiano Zanin.
Com a antecipação de votos, a tendência é que o tribunal encaminhe uma solução para a questão dos precatórios antes do fim do ano, ainda que o prazo regimental para pedidos de vista seja de até 90 dias. O STF entra em recesso na terceira semana de dezembro e os trabalhos só são retomados em fevereiro.
A formação de maioria a favor da posição do governo confirma as expectativas de analistas políticos consultados pelo InfoMoney na 50ª edição do Barômetro do Poder.
Entenda o caso
As emendas constitucionais em análise comprimiram artificialmente as despesas públicas, por aplicarem ao pagamento de precatórios a mesma lógica do teto de gastos − regra fiscal que limitava a evolução de despesas públicas em um exercício à inflação acumulada no ano anterior.
Os dispositivos acabaram utilizados pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), para liberar espaço para novos gastos com ações como o aumento do Auxílio Brasil (programa que substituiu o Bolsa Família naquela gestão) e a concessão de auxílios para caminhoneiros e taxistas, entre outros benefícios.
Em manifestação encaminhada ao STF sobre o caso, a Advocacia-Geral da União (AGU) sustentou que a criação de um limite de pagamento e um subteto para os precatórios produziram um acúmulo de R$ 150 bilhões não pagos aos requisitantes com direito adquirido reconhecido pela própria Justiça.
Há duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade sobre o assunto em tramitação no STF. Uma movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). E outra de autoria de um conjunto de entidades da sociedade civil (Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação dos Magistrados Brasileiros, Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, Confederação Nacional dos Servidores e Funcionários Públicos das Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais, Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado e Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis). A segunda é a que está em julgamento no plenário virtual.
Os autores da ação apontam, na peça, supostos vícios em diversas etapas da tramitação das PECs, que representariam “manobras” para “burlar o devido processo legislativo”. No que tange ao conteúdo, eles também alegam que os dispositivos impugnados afrontam cláusulas pétreas da Constituição, por provocaram “o esvaziamento de direitos e garantias fundamentais”.
Para os requerentes, as emendas atentam contra o princípio da separação dos poderes, o direito de propriedade, o princípio da isonomia, o direito à tutela jurisdicional efetiva e razoável duração do processo, o princípio da segurança jurídica, o respeito à coisa julgada e ao direito adquirido, ao princípio do juiz natural e aos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência administrativas.
Já a posição da AGU encaminhada ao STF destaca que, muito embora o governo anterior tenha utilizado como justificativa para a aprovação das emendas o risco de colapso administrativo caso fosse pago o valor integral dos precatórios previstos para 2022 – estimado em R$ 89,1 bilhões (R$ 33,7 bilhões a mais que no ano anterior) – logo após a abertura artificial e temporária de espaço fiscal proporcionada pela a aprovação de ambas as emendas, “foram criadas despesas obrigatórias com a estimativa de custo adicional de R$ 41 bilhões ao ano”.
O governo atual alerta que o novo regime de precatórios não só produziu “um volume significativo e crescente de despesa artificialmente represada” que só deverá começar a ser paga em 2027, como “não veio acompanhada de qualquer perspectiva de solução com vistas a equacionar o passivo que será acumulado a médio e longo prazo, de sorte a viabilizar seu pagamento efetivo após a data final estabelecida para a vigência do referido regime”. E pontua que “permanência do atual sistema de pagamento de precatórios tem o potencial de gerar um estoque impagável, o que resultaria na necessidade de nova moratória”.
Na mesma peça, a AGU pede que o pagamento do valor represado nos últimos anos (estoque acumulado) seja pago por meio de crédito extraordinário − forma de despesa não considerada para os limites estabelecidos pelo novo marco fiscal (Lei Complementar nº 200/2023). Tal posição é considerada polêmica entre especialistas em contas públicas.
Por Marcos Mortari
Fonte: infomoney.com.br