Quem havia morrido, na verdade, era José Anastácio da Silva, que, há mais de 40 anos, furtou a carteira de identidade de Antônio na rodoviária de Belo Horizonte, ainda na década de 1980. Na época, o motorista não registrou boletim de ocorrência, nem imaginava que a perda lhe causaria tantos problemas no futuro. José colou uma foto 3x4 própria sobre a de Antônio e, desde então, assumiu seu nome, idade e até o nome da mãe dele. No Instituto de Identificação da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), o aposentado descobriu que seu usurpador de identidade não queria ser encontrado: ele era foragido da Justiça por homicídios e fugiu para Goiás para tentar recomeçar a vida, longe do risco de ser preso.
“A carteira de identidade que eu perdi foi tirada em 1975, então ainda não vinha com o CPF. Por todos esses anos, esse José não fez nenhuma movimentação em meu nome. Eu nem sabia que alguém estava usando minha identidade. Como ele era foragido, viveu quieto, mudou-se para Goiás e morreu em casa. Não queria nem ir ao hospital para não ser identificado”, conta Antônio. O problema com a duplicidade de Antônios Fragas começou, no entanto, quando um deles morreu, em 2023. A filha de José, sem saber que o pai havia mentido sobre o nome, registrou o atestado de óbito como se fosse de Antônio Fraga.
Desde então, o verdadeiro aposentado, de Belo Horizonte, perdeu o acesso a tudo que envolvia sua identidade — inclusive à aposentadoria. “Tive que investigar por conta própria e vi que o contato da filha desse homem estava na certidão de óbito. Ela achou que fosse o pai ligando do além. Esse José ainda registrou três filhos no meu nome”, relata.
Segundo Antônio, ao conversar com a família do fraudador, os filhos vasculharam a documentação do falecido para tentar entender o mistério. Foi então que encontraram a certidão de nascimento: José Anastácio da Silva. A descoberta resultou em dois processos judiciais — um movido pelos filhos de José, que buscam corrigir o nome do pai nos registros; e outro por Antônio, que tenta restabelecer os direitos de quem está vivo.
“Minha família não tem outra renda além da minha aposentadoria. No ano passado, eu ainda tinha minhas economias, mas agora já estão praticamente zeradas. Estou entrando em desespero. Perdi tudo. Estou como morto: sem identidade, sem poder pagar contas, comprar ou vender, registrar um boletim de ocorrência. Isso me revolta, passo noites sem conseguir dormir. Me causou depressão. E quando morrer de verdade? Serei indigente?”, desabafa Antônio.
O aposentado entrou na Justiça pedindo a anulação da certidão de óbito registrada em seu nome no Cartório de Aparecida de Goiânia. O caso tramita na Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte, na qual a juíza Daniela Bertolini Rosa Coelho estabeleceu um prazo para que o cartório goiano se defenda ou explique a situação. Caso a resposta não seja apresentada dentro do prazo, os argumentos do autor da ação vão guiar o processo.
Por Isabela Abalen
Fonte: otempo.com.br