Os irmãos realizaram a "live da ofensa", transmitida em outubro de 2024. De acordo com a promotoria, foram utilizados termos e expressões racistas "com a finalidade de obter engajamento".
Durante a transmissão, um dos humoristas declarou: "Tô aqui pra ofender minorias, né. Eu venho aqui pra ofender minorias, ofender pessoas..." Mais adiante, referindo-se a outra pessoa, disse que ia "transar com essa macaca preta".
Após a denúncia ser aceita pelo juiz de Direito André Norcia, os comediantes alegaram que a live era humorística, e que estavam apenas incorporando personagens fictícios e fazendo piadas em tom irônico e jocoso, como ocorre nesse tipo de espetáculo.
Apontaram, ainda, o art. 220 da CF, que garante a liberdade de expressão artística.
Mas a relatora do processo no Tribunal paulista rejeitou o habeas, afirmando que o trancamento de uma ação penal via habeas corpus somente é possível em casos excepcionais, "quando há patente ilegalidade, o que não se verifica nos presentes autos".
• Processo: 2102541-09.2025.8.26.000
Leia a decisão.
Caso Léo Lins
Poucos dias antes, em 30 de maio, o humorista Leo Lins foi condenado pela Justiça Federal a 8 anos, 3 meses e 9 dias de reclusão em regime fechado, mais indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos.
A juíza Federal Barbara de Lima Iseppi entendeu que, no show "Perturbador", divulgado no YouTube para mais de três milhões de pessoas, ele incitou preconceito contra negros, indígenas, pessoas com deficiência, judeus, nordestinos, LGBTQIA+, entre outros grupos.
Na sentença, a magistrada foi taxativa:
"O exercício da liberdade de expressão não é absoluto nem ilimitado, devendo se dar em um campo de tolerância e expondo-se às restrições que emergem da própria lei. No caso de confronto entre o preceito fundamental de liberdade de expressão e os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, devem prevalecer os últimos."
O que diz a Constituição - e a jurisprudência
Como se sabe, a liberdade de expressão é um direito fundamental assegurado pela Constituição nos arts. 5º, IV e IX, e 220. No entanto, esse direito não é absoluto. Ele coexiste com outros pilares igualmente fundamentais, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a igualdade (art. 5º, caput), que servem de limites ao seu exercício.
A jurisprudência do STF tem reforçado esses limites. Em 2021, por exemplo, a Corte reconheceu que a injúria racial deve ser tratada como crime de racismo, sendo imprescritível e inafiançável. Além disso, leis como a 7.716/89, que trata dos crimes resultantes de preconceito, e a 13.146/15, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, estabelecem punições específicas para condutas discriminatórias.
Sobre o tema, ouvimos o advogado constitucionalista e professor Miguel Godoy. Para ele, casos envolvendo humoristas deixam claro que a sociedade brasileira já definiu os limites entre liberdade e abuso.
"A liberdade de expressão, e mesmo a comédia, encontra limites nos discursos - e também nas piadas - que reproduzem discriminação e minoração valorativa de pessoas e grupos. Já faz tempo que convencionamos que pessoas com deficiência, pessoas negras, judeus, gays, nordestino, indígenas, não merecem ser estigmatizadas, excluídas, desvalorizadas, segregadas, discriminadas, por discursos e atos. E isso inclui a comédia. Não é engraçado fazer piada com discursos que reforçam esses estigmas e discriminações. Mais do que isso, já faz tempo que convencionamos que isso é crime. O caso Léo Lins não é um caso difícil. É um caso fácil. E deve deixar claro para todos nós que discursos discriminatórios - mesmo por piadas - não merecem lugar na nossa sociedade.
Segundo Godoy, embora alguns casos possam parecer ambíguos à primeira vista, a legislação e os valores constitucionais deixam claro que manifestações que reforçam estigmas e exclusões não se confundem com humor legítimo - e devem ser responsabilizadas.