Depois dos 60, aposentados realizam o sonho de conquistar carteira da OAB

Via @correio.braziliense | Uma aposta em tom de brincadeira com a filha mais nova levou o consultor de vendas Luiz Roberto da Silva Pessanha a alterar radicalmente sua trajetória de vida. Aos 51 anos, ele desafiou a caçula, que se preparava para o vestibular, afirmando que iria obter maior pontuação do que ela no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mesmo sem enfrentar cursinho preparatório e não estudar há mais de 20 anos. Para espanto de todos, foi aprovado e decidiu encarar o curso de direito, formando-se cinco anos depois.

Mais novo entre cinco filhos de mãe analfabeta e pai semialfabetizado, Pessanha experimentou uma infância repleta de dificuldades. Criado em Cordovil, na zona norte do Rio de Janeiro, considerado um dos mais violentos bairros da capital fluminense, morava em um barraco quase sem teto, com apenas três cômodos e banheiro no quintal, sempre atento aos ratos que circulavam à noite pela casa. "Muitas vezes faltava até comida na mesa", recorda. "Meu pai era pintor de parede e minha mãe se dedicava aos cuidados da casa e dos filhos, mas sempre nos ensinaram a ser honestos e nos dispensaram muito amor e carinho", completa.

Luiz Pessanha exibe a certificação da ordem dos Advogados do Brasil - (foto: Arquivo Pessoal)

Pessanha conta que cursar direito sempre foi um sonho, desde criança, mas ao constituir família se viu obrigado a deixar a ideia de lado. "Era uma antiga pretensão. Contudo, a sobrevivência e o sustento dos meus falaram mais alto", conta. Coincidentemente, atuou anos a fio em uma empresa de consultoria, sempre atendendo advogados.

Primeiro da família a cursar uma faculdade, ele guarda na memória o brilho no olhar de sua mãe, Ondina, falecida em 2014, aos 70 anos, ao saber que pelo menos um dos filhos iria cursar, enfim, uma faculdade. "Sempre tive a esperança de poder proporcionar algo de bom para ela, uma mulher de luta e que a vida toda foi uma grande parceira", diz. O pai, Benedito, morreu 33 anos antes, aos 70 anos, e não pôde viver a mesma emoção.

Pessanha ingressou na universidade por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que considera um dos mais bem-sucedidos programas educacionais já implantados no país. Foi o mais velho aluno da turma. "O Fies foi fundamental para que eu concluísse a faculdade e também alimentar minha determinação de seguir em frente, fazer mestrado na área, tentar contribuir com a mudança intelectual no país."

Por conta da cor e da idade, conta, foi alvo de preconceito de colegas. Sempre esbarramos em preconceito. A vida é repleta desse tipo de manifestação. Infelizmente, não chegamos ao ápice de sepultar comportamentos tão nefastos. Mas cinco anos de convivência foram suficientes para conquistar o devido respeito, para que houvesse a aceitação da cor da minha pele e de meu cabelo", diz.

A prova da OAB, prossegue ele, foi outro grande desafio. Foram mais cinco anos de tentativa, até obter, recentemente, o registro da entidade. Ele conta que, antes da cartada final, chegou a pensar em desistir, mas encontrou nas filhas e na mulher, a professora Lúcia Helena, 60, a força necessária para seguir em frente. A filha Carolina, 26, que perdeu a aposta do Enem, hoje bióloga, conta que a disputa foi crucial para que ela estudasse com maior afinco. "Estava tentando o Enem como treineira, e a aprovação de meu pai foi decisiva para que eu me concentrasse mais nos estudos. Ele é meu maior exemplo, um verdadeiro herói", diz.

Hoje, aos 61 anos, Pessanha trabalha em seu próprio escritório de advocacia, conduzindo causas na área cível. Decidido a dispensar seu precioso tempo na busca por mais conhecimento e aprimoramento na área, fará mestrado, segundo ele, para dar sua contribuição a novas gerações. "Somente com um bom nível de educação e intelectualidade poderemos transformar o país em um lugar melhor para se viver", afirma, ponderando que as pessoas com idade avançada costumam insistir na ideia de não conseguir superar barreiras, mas podem encontrar a saída na busca pela felicidade e realização. "São incentivos simples para que voltemos a realizar sonhos engavetados. Desistir é bobagem. O importante é insistir, trabalhar, conquistar seu lugar ao sol", ensina.

Aos 77 anos, José Benedito Ferreira faz curso de especialização e planeja fazer mestrado

José Benedito Ferreira se formou em direito e obteve o registro da OAB aos 77 anos - (foto: Arquivo Pessoal)

O aposentado José Benedito Alves Ferreira, 77 anos, realizou o sonho de se formar em direito e, mais recentemente obteve o que considera sua maior vitória: a aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Agora, prestes a emplacar 78 anos, cursa pós-graduação em direito civil e planeja fazer mestrado.

A trajetória do mais velho formando em direito no país é digna de filme. Mais novo entre seis irmãos, ele se viu obrigado a trabalhar aos 9 anos em uma quitanda em Marialva, interior do Paraná, logo depois da morte do pai, o lavrador, também José Benedito, aos 44 anos, para ajudar no sustento da casa. Os irmãos trabalhavam na lavoura e as irmãs como empregadas domésticas. Nenhum deles chegou a concluir o ensino básico.

Aos 14 anos, José Benedito passou a viver uma nova realidade, em uma grande empresa, começando a atuar como aprendiz nas Casas Pernambucanas. Passou por diferentes departamentos, até ser promovido, duas décadas depois, a gerente-geral, se aposentando após 34 anos de dedicação à tradicional rede varejista. Casou-se com a pedagoga Mercedes, com a qual teve dois filhos, Daniel, hoje com 42 anos, e Flávia, 40.

"Minha preocupação sempre foi garantir o sustento da família e proporcionar uma boa educação aos meus filhos, tanto que os dois estudaram em boas escolas e fizeram faculdade. Mas sempre quis estudar direito, principalmente porque passei a vida envolvido nessa área, lidando com advogados", conta.

Para pagar o curso de direito, José Benedito passou a vender perfumes, como representante, pois a aposentadoria não era suficiente. Iniciou o curso em uma faculdade de Cruzeiro (SP) e fez os últimos dois períodos em outra instituição, em Ponta Grossa (PR).

Ele lembra que não teve dificuldade em se atualizar para tentar o vestibular. Com o ensino médio concluído em 2009, por meio de supletivo, frequentou apenas dois meses de cursinho on-line. E afirma que o apoio da mulher, Mercedes, 52, e dos dois filhos, foi fundamental para seguir em frente. Prosseguir no curso, afirma, também não foi nenhum bicho de sete cabeças.

"Já tinha aprendido muita coisa na vivência profissional. Consegui tirar de letra. Nunca fiquei em recuperação e jamais fui vítima de menosprezo, nem mesmo por causa da minha idade. Vivi o tempo inteiro ótimo relacionamento com os professores e colegas. Sempre brinquei com a garotada como se fosse igual a eles", diz.

Sua maior preocupação, revela, foi passar no exame da OAB. Na primeira tentativa, recorda, não obteve a pontuação necessária para a segunda fase. Mas não desistiu. Continuou a estudar e, em abril deste ano concluiu o ciclo das provas da Ordem. "Meu grande sonho era ter aquela carteirinha vermelha", diz. "Me arrependo de não ter feito esse curso antes, mas aprendi que nunca é tarde para realizar os sonhos", afirma.

A filha Flávia, engenheira de produção, vê no pai, além de um grande herói, um exemplo a ser seguido pelas novas gerações. "É um homem de fibra. Teve uma infância pobre, venceu muitos obstáculos e hoje está aí, firme e forte. Sempre teve memória privilegiada, o que certamente o ajudou nos estudos. Além disso, nos ensinou que nunca é tarde para aprender, que o que mais importa é focar nos estudos, não ser apenas mais um na multidão", diz, lembrando que o genitor tem nada menos que 2 milhões de visualizações no Linkedin, a mais famosa e maior rede social profissional, focada em gerar conexões e relacionamentos.

José Benedito afirma que sua meta, agora, é se especializar nas áreas de direito civil e trabalhista. Está montando um escritório com um colega da faculdade e seguirá firme com o propósito de obter ainda mais conhecimento. "Quanto mais instrução temos, mais crescemos na vida. É essa a mensagem que quero passar para os jovens: que não se acomodem, que estudem, que a idade não é obstáculo e que desistir é para os mais fracos." 

Fonte: correiobraziliense.com.br

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