Definir uma conduta como criminosa não faz ninguém deixar de praticá-la: por Thiago M. Minagé

goo.gl/khzxyN | Conforme temos pesquisado e aprofundado no estudo do direito criminal/penal como bem queiram chamar, constatamos a necessidade de superação de conceitos e teorias não aplicáveis em nossa realidade social, não só por suas inconsistências mas sim pela incompatibilidade jurídico-cultural existente, por isso, acabei escrevendo esses dias o seguinte: Assim alimentando a lenda de quanto mais ativo no exercício do poder o Estado for, impondo a força, fará com que a justificativa da teoria da prevenção geral, em sua vertente positiva, seja reafirmada. A mesma vertente que vê o direito penal como afirmador de valores, valores simbólicos, únicos e consentidos por todos. Afirmaria uma confiança no sistema penal, entretanto, sua corrente negativa, pretendendo reconhecer, na pena, a redenção dos que não delinquiram e possivelmente sentiriam-se tentados a delinquir. Me poupem dessa balela – embora eu confesse que um dia aprendi e ensinei assim[1].

Verificamos a cada dia que: uma, as finalidades da pena, conforme expostas sob o manto da Prevenção Geral (na ilusão de alcançar aqueles que não delinquiram ainda) não passa de ilusória e inalcançável, mesmo porque, se observarem pautam-se em dados não verificáveis de forma empírica, criando uma falsa ilusão de segurança juridica; duas, a ressocialização, não vem cumprindo com seu objetivo, aliás, nunca cumpriu. Estima-se, que a taxa de reincidência criminal no Brasil gira em torno de 70%, ou seja, a cada dez presos, sete voltam a delinquir (PRUDENTE, 2013, p. 442); três, a hipocrisia da expressão segurança jurídica deve ser definitivamente abandonada, pois de nada adianta uma sociedade insegura em nome da segurança jurídica, louco isso;  quatro, muito se prometeu com a Lei de Execução Penal e a inclusão da reinserção através da educação e do trabalho, todavia, o que vêm se verificando dentro do sistema penitenciário brasileiro é a impossibilidade de cumprimento da lei face as condições precárias e a superlotação do sistema penitenciário. E pior, a falsa sensação de segurança criada com teorias justificacionistas para passar e manter uma falsa senssação de segurança.

O sistema penitenciário brasileiro atual, nada mais é do que uma herança dos antigos instrumentos e das formas utilizadas para conter a criminalidade e para punir indivíduos que cometiam algum crime.  Nilo Batista (1990, p.125) já retratava que “Vestígios desse sistema, signo de uma formação social autoritária e estamental, encontram-se ainda hoje nas práticas penais (dis?)funcionais das torturas, espancamentos e mortes com as quais grupos marginalizados, pobres e negros costumam ser tratados por agências executivas do sistema penal ou por determinação de novos “senhores””. Será que todo o dito, é difícil de constatar ou ao menos perceber? Cremos que não. Salvo se conveniente for, não perceber.

De acordo com os números do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, em 2008 o número de presos era de 451.219, em 2009 o número de presos subiu para 473.626[2]. Já em 2010, o número de presos se elevou para 496.251. O Brasil fechou o ano de 2011 com um total de 514.582 presos e já em 2012 fechou o ano com 548.003. Ou seja, em questão de 5 anos a população carcerária aumentou em quase 100 mil presos. Quando falamos em número de vagas, em 2008 o número de vagas em estabelecimentos prisionais era de 296.428, sendo que em 2012 alcançamos o número de 310.687. Ou seja, aumentou cerca de 14 mil vagas. Verifica-se com isso, um aumento de vagas em estabelecimentos prisionais completamente desproporcional com a quantidade do aumento de presos.

Analisando as pesquisas realizadas pelo Instituto Avante Brasil (http://atualidadesdodireito.com.br/iab/), verifica-se que o retrato do sistema penitenciário no Brasil é semelhante em praticamente todos os estados. As celas são verdadeiras jaulas, as instalações são precárias, falta água, comida, higiene, praticamente todos estão superlotados, existe muita violência dentro das próprias celas, sem trabalho, sem estudo, vivendo em condições subumanas. Porém um detalhe importantíssimo: Todos esquecem que, os seres vivos submetidos ao trtamento penitenciário degradante um dia sairão e voltarão para o convívio social.

De forma cirúrgica Neemias Moretti Prudente[3] expõe que

“Nestes labirintos humanos inóspitos, constatam-se péssimas condições sanitárias (v.g. um chuveiro e um vaso sanitário para vários detentos) e de ventilação; falta de colchão e cama para todos (obrigando os detentos a se revezarem na hora de dormir); superpopulação (falta de vagas, inclusive em unidades provisórias); má alimentação; abandono material e intelectual; proliferação de doenças nas celas; maus tratos; ociosidade; assistência médica precária; pouca oferta de trabalho; água fria para banho; falta de material de higiene pessoal (v.g. toalhas de banho, sabonetes, preservativos); ausência de bibliotecas, espaços para práticas esportivas e banho de sol; violência e enfrentamento entre grupos rivais, massacres, fugas massivas; drogas (que por sinal é um calmante para os detentos) e armas no interior das celas; rebeliões (as principais causas são relacionadas a alimentação, tortura, direito à visita de familiares e itens de higiene pessoal); mulheres juntas com homens, jovens com idosos, doentes com saudáveis, os que cometeram pequenos delitos com os de alta periculosidade; homens presos em conteiners (…) 

Assutador? Tem mais 

(…) falta de Defensoria Pública eficaz (pois muitos presos que já poderiam estar soltos continuam presos, já que não têm dinheiro para contratar um bom advogado); sem contar com os privilégios que se concede a alguns internos que, por sua posição econômica e social, contam com suficientes recursos para pagar seu tratamento diferencial; 

Tá bom, né! Não! Tema mais, principalmente para as mulheres:

(…) contudo, quando se observa a realidade das mulheres em estabelecimentos prisionais, as dificuldades são ainda maiores, pois o Estado não respeita as especificidades femininas (v.g. falta de assistência médica durante a gestação, de acomodações destinadas à amamentação e na quase ausência de berçários e creches). Em Ribeirão Preto, na cadeia feminina de Colina, as presas usavam miolo de pão para substituir os absorventes íntimos.

Ainda quando as condições atuais do sistema penitenciário brasileiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou um relatório no qual traz que, além da superpopulação dos presídios, ainda são enfrentadas dificuldades nas áreas de higiene e saúde, alimentação, cama, roupa, entre outros. Conforme este relatório, a Comissão pode constatar as condições precárias em que se encontram os presos com relação a higiene e também a falta de atendimento médico adequado. Ou seja, um verdadeiro caos institucionalizado, nítida legalização do ilegal, onde o Estado viola de forma positiva e direta todos os direitos inerentes à pessoa humana.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos relata ainda acerca da realização de trabalhos na prisão brasileira que “Sem embargo, muitos presos entrevistados pela Comissão se queixaram de que não há trabalho nas prisões, o que os obriga a passar o dia todo dormindo ou andando de um lado para o outro. O censo penitenciário revelou que 89% dos presos não desenvolvem qualquer trabalho, pedagógico ou produtivo, sendo esse um dos fatores mais decisivos para as tensões e revoltas nas penitenciárias. Deve-se ressaltar que a maioria dos detentos tinham emprego produtivo antes de ir para a prisão”.[4]

Outro fator importante descrito pela Comissão é acerca da divisão que deveria ocorrer dos presos de acordo com o delito cometido e também pela idade. Em visita a alguns presídios, a própria Comissão constatou que essa divisão não ocorre nos estabelecimentos, o que contribui ainda mais para as complicações encontradas na hora deste detento retornar a sociedade. Muitos presos já condenados que deveriam estar em estabelecimentos definitivos, encontram-te em locais destinados as prisões temporárias, o que também não está dentro do que regulamenta a legislação.

A Comissão recebeu ainda relatos quando a defasagem de pessoal qualificado para trabalhar nos estabelecimentos prisionais, recebendo depoimentos de que os agentes penitenciários muitas vezes tratam os presos de maneira desumana, cruel e prepotente, o que se traduz em torturas e corrupção.  Por fim, abordou também a Comissão Interamericana acerca do sério problema das rebeliões organizadas pelos presos, na busca de melhorias. Relatou a Comissão que, nos centros penais brasileiros, ocorrem em média duas rebeliões e três fugas por dia, todas com causas variadas.

Ao analisar o encarcerado devemos ter em mente que, a ressocialização é o melhor mecanismo para que o Estado proporcione ao apenado condições ideais para o retorno em sociedade, evitando-se, como outrora, as marcas provenientes do enjaulamento social. A ressocialização nada mais é que a efetivação dos direitos e garantias fundamentais como verdadeiros direitos subjetivos que correspondem universalmente a todos os seres humanos enquanto dotados do status de pessoa, de cidadão ou de pessoas com capacidade de agir.

Será mesmo que prender é a solução ou apenas uma forma de confortar a mente e o desejo daqueles que confundem o direito criminal com anseio de vingança?

Notas e Referências:

[1] MINAGÉ. Thiago http://justificando.com/2015/04/25/a-dupla-face-do-principio-da-legalidade-sabemos-o-seu-significado/

[2] DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional. População Carcerária. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896}&Team=&params=itemID={D82B764A-E854-4DC2-A018-450D0D1009C7};&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}> Acesso em: 30 ago. 2012

[3] PRUDENTE, Neemias Moretti. Por trás do arame farpado: algumas reflexões sobre os presos e os cárceres (e suas alternativas). (p. 441-467). IN: BAYER, Diego Augusto (Org.). Controvérsias Criminais: Estudos de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia. 1ª Ed. Jaraguá do Sul: Editora Letras e Conceitos, 2013.

[4] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. As condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/contryrep/brazil-port/Cap%204%20.htm>. Acesso em 21 dez. 2012.

Por Thiago M. Minagé é Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá/RJ. Professor substituto da UFRJ/FND. Professor de Penal da UNESA. Professor de Processo Penal da EMERJ. Professor da Pós Graduação ABDConst-Rio. Colunista do site www.emporiododireito.com.br. Autor do Livro Prisões e Medidas Cautelares à Luz da Constituição. Membro do IAB. Advogado Criminalista.

Fonte: Empório do Direito

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