Opinião - Indenização a presos é decisão histórica do Supremo Tribunal Federal

goo.gl/t4AG8w | Por que a prisão é mais um lugar de suplício do que de custódia do condenado? Essa pergunta não foi dirigida a José Eduardo Cardozo, que afirmou, quando à frente do Ministério da Justiça no governo Dilma, preferir morrer a passar pela situação desumana vivida pelos presos do sistema brasileiro.

A propósito, a superlotação é muito antiga e nossa Lei de Execução Penal, de julho de 1984, subscrita por João Figueiredo e Ibrahim Abi-Akel, veio com o objetivo de resolver os problemas e humanizar os cárceres.

Ainda em vigor o dispositivo pelo qual a cela, além de ser individual, deve contar com “salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana e área mínima de 6 metros quadrados”.

A pergunta inicial desta coluna consta da clássica e fundamental obra Dei Delitti e delle Pene (Dos Delitos e das Penas), de 1764, de autoria do precursor do Direito Penal moderno, o Marquês de Beccaria.

Com efeito, na quinta-feira 16, em recurso julgado com a cláusula de repercussão geral, ou seja, a valer para todas as situações iguais, o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária e histórica, por votação unânime dos dez ministros presentes, entendeu pela responsabilidade objetiva (independente de aferição de culpa) do Estado.

Isso por dano moral ao submeter presos a condições degradantes. O caso apreciado era de um condenado definitivo por crime de latrocínio (matar para roubar), atualmente em livramento condicional, com oito anos da pena cumprida, em situação humilhante, em um presídio superpopuloso.

Não devem ser esquecidas as insensibilidades nas instâncias inferiores: ação de reparação pecuniária pelos danos morais suportados julgada improcedente e mantida em apelação. Invocou-se, então, o Princípio da Reserva do Possível, que significou, grosso modo, só poder exigir-se do Estado aquilo que razoavelmente se pode dele esperar.

Trocando em miúdos, estado federado falido não pagaria indenização pecuniária. O princípio que caiu no próprio Tribunal Estadual, em recurso de embargos infringentes, nasceu na Suprema Corte da Alemanha e foi utilizado para impedir a matrícula, por falta de vagas extras, de candidatos aprovados em concursos para as faculdades de medicina de Munique e Hamburgo.

Por aqui, o STF afastou o Princípio da Reserva do Possível. Imaginar-se o contrário seria admitir que pudesse ocorrer, sem imposição de qualquer sanção, a inobservância de uma regra constitucional imperativa sobre direitos e garantias individuais e coletivas: “Ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º III).

Como no Brasil nada mais surpreende, surgiram críticas a essa histórica e louvável decisão do STF. Os críticos invocaram os tempos econômicos bicudos e a enxurrada de ações indenizatórias que serão propostas contra os estados federados e a União, esta como corresponsável pelas situações vexatórias, interna e internacionalmente. Na verdade, os críticos querem fazer prevalecer o Princípio da Reserva do Possível.

Com base na legislação italiana, o ministro Luís Roberto Barroso, vencido no particular, tentou fixar indenização in natura e não em pecúnia: a cada sete dias de sofrimentos se abateria um dia da pena. Tal forma de resgate não conta no Brasil com previsão legal e Barroso foi acompanhado na sugestão pelos ministros Luiz Fux e Celso de Mello.

Só para lembrar, o condenado pediu reparação financeira e quase levou algo diverso do pedido. Num futuro próximo, tudo resultará num sistema de compensações e satisfações de créditos. Por exemplo, a maioria dos condenados é sancionada com penas privativas e multa. O valor da multa, como regra, nunca é pago em razão da insolvência do sentenciado.

Como ele será indenizado por dano moral pelo Estado, o valor da multa poderá ser compensado, abatido. Além disso, como medida de Justiça, as vítimas ou seus sucessores poderão (e nunca pedem pela situação financeira precária do condenado) postular indenização do criminoso. Este, do que receber do Estado, terá abatido o valor da indenização à vítima.

Em síntese, o STF deu um passo largo e fundamental ao não aceitar mais um sistema atentatório à dignidade da pessoa humana. Essa decisão do STF, certamente, obrigará, como já fizeram países do Primeiro Mundo para resolver a lotação exagerada nos seus cárceres, a uma ampla e profunda reforma no sistema de penas em regime fechado.

Não dá mais para manter microtraficantes em regime fechado. Nem pedófilos que, com base em lei a ser elaborada, preferirem a castração química à pena de prisão fechada.

Por Wálter Maierovitch
Fonte: cartacapital

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